Os olhos de cada adolescente não se desviam do maestro. Nem podem.  Apesar de as mãos batucarem firmes e certeiras sobre atabaques, ashikos e  djembês (instrumentos de percussão), os músicos não escutam nada do que  tocam. Todos surdos, são instrumentistas da Música do Silêncio, projeto  criado pelo maestro Fábio Bonvenuto, 42. "Meus gestos e meu semblante  são a nossa comunicação", explica. 
Tudo começou em 2005, quando a diretora da Escola Municipal de Educação  Especial Madre Lucie Bray, no Jaçanã (zona norte), recebeu um documento  por engano. Era um formulário da Secretaria de Educação perguntando se o  colégio se interessava em ter uma orquestra. Em vez de avisar sobre o  erro no envio, já que todos os alunos são surdos, ela decidiu fazer uma  enquete. Com a ideia aprovada, inscreveu o colégio.
| Jefferson Coppola/Folhapress |  
  
 | Aula de percussão para crianças surdas da EMEE Luci Bray, no Jaçanã, em SP, é ministrada pelo maestro Fábio Bonvenuto  |  
Sem nada saber, Bonvenuto, funcionário da prefeitura, recebeu uma lista  para escolher em quais colégios iria lecionar. Quando viu um de alunos  especiais, selecionou na hora. "Vi como desafio e comecei a pesquisar o  tema. Não achei nenhum estudo, mas descobri Evelyn Glennie [uma  percussionista escocesa surda]." 
Nascia o plano de aula: Bonvenuto iria ensinar percussão. Nas  apresentações, une os surdos a alunos de escolas vizinhas. Sem  deficiência física, estes últimos tocam instrumentos como teclado,  trompete e trombone. "Misturei os surdos com os ouvintes, porque,  afinal, é um projeto de inclusão." 
A escolha pelos batuques foi lógica. "No violão, por exemplo, o surdo  precisa morder o braço do instrumento para sentir. A percussão, não. É  orgânica. Ele sente o som da música no corpo", diz Bonvenuto. Nas aulas,  o maestro dá o ritmo na bateria. Os alunos sentem a vibração e executam  Tim Maia, Skank e jazz. 
Recentemente, o maestro presenciou uma conversa. "Quando toco, dá para  ouvir onde, no Rio de Janeiro?", alguém perguntou. "Não, só em  Santana!", discutiam os alunos. "Eu entendi o quanto o projeto significa  para eles e expliquei que o som só ia até o outro lado da rua", lembra. 
Para aguçar o interesse, o aluno começa a tocar já na primeira aula. Ao  lado da prática, aprende o nome das notas, as pausas, os tempos musicais  etc. Conforme avança, recebe instrumentos mais difíceis: começa com o  treme-terra (tocado em escolas de samba) e chega à bateria. Alexandre de  Lima, 16, aprendeu ali e hoje toca na bateria da Gaviões da Fiel. "A  profissionalização é superpossível. O Brasil ainda tem resistência  porque a inclusão é muito nova aqui. Mas isso vai mudar", afirma o  professor. 
por OCIMARA BALMANT
fonte: Folha.com - S.Paulo