terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Meninos surdos batucam forte no Jaçanã

Aula de percussão para crianças surdas da EMEE Luci Bray, no Jaçanã); a aula é ministrada pelo maestro Fábio Bonvenuto


Os olhos de cada adolescente não se desviam do maestro. Nem podem. Apesar de as mãos batucarem firmes e certeiras sobre atabaques, ashikos e djembês (instrumentos de percussão), os músicos não escutam nada do que tocam. Todos surdos, são instrumentistas da Música do Silêncio, projeto criado pelo maestro Fábio Bonvenuto, 42. "Meus gestos e meu semblante são a nossa comunicação", explica.
Tudo começou em 2005, quando a diretora da Escola Municipal de Educação Especial Madre Lucie Bray, no Jaçanã (zona norte), recebeu um documento por engano. Era um formulário da Secretaria de Educação perguntando se o colégio se interessava em ter uma orquestra. Em vez de avisar sobre o erro no envio, já que todos os alunos são surdos, ela decidiu fazer uma enquete. Com a ideia aprovada, inscreveu o colégio.
Jefferson Coppola/Folhapress
Aula de percussão para crianças surdas da EMEE Luci Bray, no Jaçanã, em SP, é ministrada pelo maestro Fábio Bonvenuto
Sem nada saber, Bonvenuto, funcionário da prefeitura, recebeu uma lista para escolher em quais colégios iria lecionar. Quando viu um de alunos especiais, selecionou na hora. "Vi como desafio e comecei a pesquisar o tema. Não achei nenhum estudo, mas descobri Evelyn Glennie [uma percussionista escocesa surda]."
Nascia o plano de aula: Bonvenuto iria ensinar percussão. Nas apresentações, une os surdos a alunos de escolas vizinhas. Sem deficiência física, estes últimos tocam instrumentos como teclado, trompete e trombone. "Misturei os surdos com os ouvintes, porque, afinal, é um projeto de inclusão."
A escolha pelos batuques foi lógica. "No violão, por exemplo, o surdo precisa morder o braço do instrumento para sentir. A percussão, não. É orgânica. Ele sente o som da música no corpo", diz Bonvenuto. Nas aulas, o maestro dá o ritmo na bateria. Os alunos sentem a vibração e executam Tim Maia, Skank e jazz.
Recentemente, o maestro presenciou uma conversa. "Quando toco, dá para ouvir onde, no Rio de Janeiro?", alguém perguntou. "Não, só em Santana!", discutiam os alunos. "Eu entendi o quanto o projeto significa para eles e expliquei que o som só ia até o outro lado da rua", lembra.
Para aguçar o interesse, o aluno começa a tocar já na primeira aula. Ao lado da prática, aprende o nome das notas, as pausas, os tempos musicais etc. Conforme avança, recebe instrumentos mais difíceis: começa com o treme-terra (tocado em escolas de samba) e chega à bateria. Alexandre de Lima, 16, aprendeu ali e hoje toca na bateria da Gaviões da Fiel. "A profissionalização é superpossível. O Brasil ainda tem resistência porque a inclusão é muito nova aqui. Mas isso vai mudar", afirma o professor.

por OCIMARA BALMANT
fonte: Folha.com - S.Paulo   

Nenhum comentário: